LAFARGUE, A PREGUIÇA E OUTROS BABADOS UTÓPICOS
O cubano Paul Lafargue e a filha de Marx, Laura: "Direito à Preguiça" e pacto de morte aos 69 anos.
Paul Lafargue, cubano, comunista, genro de Marx, escreveu “Direito à Preguiça”, um livro que se aproveita da Teoria da Mais-Valia para preconizar que o tempo excedente para a produção de um determinado bem, aquele que é o lucro do capitalista, seria destinado, no mundo socialista, ao ócio e, por consequência, à produção artística. Pausa para a risada. Quaquaquá.
Quero ser mico de circo se o comunismo gestou algo que possa ser chamado de arte em mais de 70 anos de existência. E se o fez foi para o fogo no primeiro expurgo ou para o canos de descarga na falta de papel melhor para limpar as partes. Sobre banheiros e arte, Maiakóvski, o poeta que deu um tiro no coração aos 37 anos, na condição de indecifrável para as massas, mas cuja produção sobreviveu nas escolas russas até meados da década de 80 (século passado), deixou frase impagável em carta a Lilia Brik: “Ainda bem que o cubismo não chegou às privadas. O que seria um pesadelo”. Foi só
Já é um pressuposto beócio e, acrescente-se, preconceituoso, afirmar que a vagabundagem pode gerar produção de arte de qualidade ou de qualquer arte. Vá dizer isso para Pablo Picasso, a quem era atribuída a frase “criação é 90% transpiração e 10% inspiração”, ou para James Joyce, que trabalhava 14 horas para, arre, produzir pouco mais que um parágrafo.
Vasculhei atrás do livro de Lafargue há pouco na estante. Sem êxito. Deve ter se perdido na mudança ou, quem sabe, engordado uma traça. Que faça bom proveito. Lafargue era genro de Marx. Casou-se com a sua terceira filha, Laura, uma das poucas que sobreviveu à adolescência e à vida miserável entre os seis rebentos – oficiais – do pai do socialismo científico. Consta que Marx papou também a empregada e que, com ela, gerou também mão de obra capitalista. Gossips.
Lafargue admirava Marx, mas por ele era desprezado. Nas brigas corriqueiras com Laura, ele despejava fúria contra o cubano. Chamava-o de “preto desprezível” (ou qualquer coisa assim). Marx não media palavras. E era racista (coisa corriqueira no século XIX). E anti-semita (mais natural ainda).
Para elevar o prestígio com o sogro, Lafargue debruçou-se sobre “O Capital” e a Teoria da Mais-Valia e dali extraiu o “Direito à Preguiça”, um livretinho despretensioso de 60 páginas. Foi o que sobreviveu de sua vasta produção.
Em 1911, cansado de esperar a revolução que não vinha e assombrado pelo miserê que cercava sua vida Lafargue fez um pacto de morte com Laura e ambos se suicidaram. O cubano tinha 69 anos.
Os marxistas podem considerar o que se segue uma heresia, mas o “Direito à Preguiça” virou uma espécie de livro de auto-ajuda da esquerda, quando a expressão nem era assim tão modinha. Afora o obstáculo teórico, que era no final das contas a teoria da mais-valia, restou a tese simplória de Lafargue, que subdividiu o dia em três partes: oito horas de trabalho, oito horas de sono e oito horas de ócio, sendo que deste resultaria o panteão artístico do proletariado. Simples, né?
Lafargue, já se viu, era um idiota utópico e pela sua utopia foi preservado. Afinal, só os idiotas utópicos e, afora eles, os filósofos uspianos, o que dá no mesmo, são capazes de formular uma teoria utópica a partir do qual a utopia fracassa não por conta dos teóricos que a conceberam, mas por inapetência da humanidade. Ó céus.
E se me alongo no besteirol lafarguiano é porque me espanta que ele tenha encontrado paradeiro até em nossos dias. Não faz muito, um livro chamado “O Ócio Criativo”, de um tal Domenico Di Masi, figurou na lista dos livros mais vendidos. Sorte que essas celebridades instantâneas vêm e vão no mesmo caldo de insignificância que as produz. Di Masi, um imbecil italiano – com o perdão do pleonasmo – produziu a mesma teoria lafarguiana, certo de que uma rede, um violão e a visão de um coqueiro e uma tapera – ou seja lá o similar europeu que se encontre – poderia produzir grandes obras e grandes mestres.
Vá lá os gregos que se dedicavam ao ócio, à filosofia, aos banhos e ao homossexualismo (não necessariamente nessa ordem), e deixavam o trabalho duro aos escravos. Vá lá Lafargue que morreu antes de ver o socialismo sonhado traduzir-se num sistema obtuso e totalitário. Mas Di Masi! Ora ele nasceu na era da televisão. A tempo de testemunhar o que o proletariado pode produzir quando não está trabalhando ou dormindo. Eis o pançudo na frente da telinha zapeando os canais. Tá bom, vai. Se é caso de chamar de arte, que tal natureza morta?

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